Usina Cerradinho, em Catanduva (SP), produziu 1,4 milhão de litros de etanol usando a planta
Em tempos de alta de preço do etanol, motivada especialmente pela entressafra da cana-de-açúcar, a Monsanto desenvolveu um híbrido de sorgo sacarino que serviria como alternativa para a produção do combustível nesse período. A usina Cerradinho, localizada em Catanduva, interior de São Paulo, acabou de produzir 1,4 milhão de litros de etanol usando como matéria-prima a planta desenvolvida pela multinacional. As atividades de pesquisa e desenvolvimento para chegar a esse híbrido começaram em 2004 na Monsanto, mas o salto dos laboratórios para a produção de sorgo no campo e fabricação do etanol se deu com a participação da equipe de pesquisadores e técnicos da CanaVialis, instalada em Campinas. A firma de biotecnologia brasileira foi comprada pela empresa norte-americana em 2008 e se destaca na pesquisa de novas variedades de cana para produção de etanol.
Novo híbrido do sorgo sacarino, planta que se assemelha à cana, está sendo cultivado em dez usinas e totaliza 12 mil hectares de área plantadaO novo híbrido do sorgo sacarino, planta que se assemelha à cana, está sendo cultivado em dez usinas e totaliza 12 mil hectares de área plantada. Segundo Urubatan Klink, líder de pesquisa em sorgo da Monsanto no Brasil, a empresa desenvolveu o híbrido de sorgo para cobrir alguns gargalos da cadeia do etanol. Um deles é a produção insuficiente de cana e etanol para as necessidades do mercado interno, dado o aumento da frota de veículos de motor flex. O outro problema está na redução da produção e abastecimento de etanol em períodos de entressafra da cana, quando o preço do combustível aumenta para o consumidor. Se plantado entre outubro e novembro, quando começa a entressafra da cana, o sorgo poderá ser colhido até 45 dias antes do começo da safra seguinte, cobrindo, portanto, o período da entressafra. Há ainda os desafios climáticos, como os períodos de seca ou de excesso de chuva, que reduzem a produtividade da cana no campo, e o sorgo poderia entrar como complemento. Por fim, o mercado de açúcar está muito aquecido, e os produtores acabam processando cana para fabricar esse produto, em detrimentos do etanol.
“O sorgo não tem a pretensão de substituir a cana, é um cultivo alternativo e complementar a ela”, explica Klink. Trata-se do quinto cereal mais cultivado em todo o mundo. A Monsanto participa fortemente desse mercado e tem o maior banco de germoplasma de sorgo, segundo ele. Os bancos de germoplasmas são uma espécie de laboratório onde pesquisadores conservam material genético de plantas e animais para uso futuro em trabalhos de melhoramento genético. Antes de 2004, a Monsanto já tinha um programa de pesquisa para melhoramento genético do sorgo, mas estudava outros híbridos, como o sorgo silageiro, usado para pecuária e renovação de pastagens, e o granífero, usado para ração animal e formação de pasto. Esses híbridos diferem do sacarino porque seus colmos são mais secos, ou seja, não tem tanto açúcar disponível para fermentação.
'O sorgo não tem a pretensão de substituir a cana, é um cultivo alternativo e complementar a ela', diz Urubatan Klink, líder de pesquisa em sorgo da Monsanto no BrasilA Monsanto conhecia relatos sobre a produção de sorgo sacarino para melaço em alguns países. “Embora já tivéssemos um trabalho forte de melhoramento genético do sorgo, não tínhamos parâmetros comerciais sobre o sorgo sacarino, e é aí que está a importância da CanaVialis”, comenta. A Monsanto não tinha o que chama de “modelo de planta” para o sorgo sacarino. Esse modelo é definido por meio de pesquisa; basicamente os pesquisadores precisam saber quanto o sorgo sacarino precisaria produzir de açúcar para ser economicamente interessante para as usinas de açúcar e etanol. Com esse dado, os pesquisadores trabalham na seleção no banco de germoplasma e fazem os processos de melhoramento genético que resultam na planta com as características de interesse.
A técnica usada para o sorgo sacarino foi a hibridação: os pesquisadores escolhem, entre as diversas variedades, as que têm as características buscadas; cruzam essas variedades e chegam aos híbridos. “Não somos os primeiros a produzir etanol a partir de sorgo, China e Índia já fazem isso, mas fomos os primeiros a usar a hibridação para chegar ao sorgo”, afirma Klink. No Brasil, o desenvolvimento desse híbrido mobilizou 17 pesquisadores da Monsanto/CanaVialis. A empresa usou apenas recursos financeiros próprios e não revela o valor investido. A companhia já registrou esse híbrido no Brasil, conforme a lei de cultivares, para proteger a propriedade intelectual do produto desenvolvido.
A Monsanto e a CanaVialis chegaram a um híbrido com produtividade esperada de 60 a 80 toneladas por hectare, 12% de teor de açúcar e entre 11% e 15% de fibra – importante porque é o material usado para queima nas caldeiras da usinas, que gera vapor para produzir a energia que elas utilizam. Como comparação, a cana tem produtividade média de 120 toneladas por hectare, entre 13% e 14% de teor de açúcar e até 12% de fibras. Uma tonelada processada de sorgo produz 110 a 125 quilos de açúcar; na cana, a relação é 145 quilos de açúcar por tonelada. O custo de produção do sorgo ficou em R$ 900 por hectare, mas esse valor não inclui o preço da semente do sorgo vendida pela Monsanto. O cultivo e o processamento do sorgo na usina requerem poucas mudanças nos equipamentos usados.
A fase agrícola das pesquisas para o desenvolvimento do híbrido durou de 2004 a 2008. Nessa etapa foram estudados os melhores híbridos produzidos nas diversas regiões brasileiras e aspectos como as melhores práticas de manejo para o cultivo. Na fase seguinte, os pesquisadores estudaram o tipo de açúcar que o sorgo produz, fizeram a comparação entre esse caldo e o de cana, e do açúcar que ambas as plantas fabricam. Os pesquisadores confirmaram que o açúcar do sorgo era semelhante ao da cana, vencendo uma grande barreira tecnológica. Se os açúcares fossem diferentes, a levedura já usada pela indústria na etapa de fermentação do açúcar da cana não serviria. Isso poderia inviabilizar, economicamente, o uso do sorgo para produzir etanol, porque obrigaria as usinas a investir no desenvolvimento e aquisição de outro tipo de levedura para fermentar apenas o açúcar produzido pelo sorgo.
A reportagem procurou o departamento de comunicação da usina Cerradinho para pedir avaliação da empresa sobre o uso do sorgo, mas não obteve retorno até o fechamento desta ediçãoNo ano de 2009 começou a etapa industrial do projeto. Esse ano foi dedicado à seleção dos melhores materiais e testes em micro-usinas para acompanhamento de todo o processo industrial. Entre 2009 e 2010, a Monsanto fez uma parceria com Dedini Indústrias de Base para montagem de uma usina-piloto que produzisse em maior escala o etanol a partir de sorgo. Nessa etapa também avaliaram o uso do resíduo do sorgo para queima e geração de energia. A escala de produção foi pequena, da ordem de 35 a 40 hectares foram usados para o cultivo experimental do sorgo.
Entre 2010 e começo de 2011, foram selecionadas as usinas parceiras para cultivo, já em área maior, com a primeira colheita feita pela Cerradinho confirmando o potencial comercial desse híbrido. As análises nessa última fase abrangeram aspectos como o transporte, carregamento, a colheita mecânica, mas os estudos relacionados ao manejo do sorgo no campo prosseguem. Uma das vantagens do sorgo está no uso da técnica de plantio direto, que revolve menos o solo. O sorgo tem muita palha e folha, que são deixadas no campo depois da colheita, o que ajuda na manutenção da umidade da terra. A reportagem procurou o departamento de comunicação da usina Cerradinho para pedir uma avaliação da empresa sobre o uso do sorgo, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
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